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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Carnaval e Cultura Negra no Brasil

Começa hoje o Carnaval 2013! Qual o aporte da Cultura Negra a esta festa originalmente européia? Veja parte do texto de "Uma história do negro no Brasil" e aprenda mais sobre o tema!
No Brasil das três últimas décadas do século XIX, sempre que o mês de fevereiro se aproximava, a expectativa pelo Carnaval dividia espaço com as críticas ao Entrudo. Entrudo era a brincadeira com água, farinha e máscaras que desde o tempo da colônia garantia a diversão dos foliões. Primitivo, inconveniente, pernicioso e selvagem eram alguns dos adjetivos usados pela imprensa, por políticos e intelectuais para defini-lo. Tal incômodo com o jogo da molhação se explicava pelo risco de que os “moleques”, a “ralé”, o “zé-povinho”, termos que designavam negros e pobres, extrapolassem os limites da brincadeira e se julgassem em pé de igualdade com os senhores, damas e senhoritas brancas. Na imprensa, principalmente a partir de 1880, teve lugar uma exaustiva campanha contra o Entrudo. Circulares, decretos administrativos e punições, como multas e prisões, passavam a tratar especificamente dos mecanismos para reprimi-lo.Todo esse aparato legal foi mobilizado para convencer os festeiros a abandonar aquela forma de diversão. Grupos das elites brancas sonhavam em substituí-lo pelo Carnaval nos moldes do que se via em Paris, Veneza ou Nice. A intensificação da repressão policial às práticas típicas do Entrudo e o surgimento das sociedades carnavalescas pareceram a inauguração desse tempo civilizado. E, com já vimos, o discurso civilizador era a camuflagem da moda para o racismo que permeava as relações sociais no Brasil. No Rio de Janeiro, fantasias, alegorias e batalhas de confetes compunham os desfiles das luxuosas sociedades carnavalescas do começo do século XX. Muita coisa vinha diretamente de Paris e era rapidamente consumida por quem tinha dinheiro suficiente para freqüentar as lojas sofisticadas da rua do Ouvidor. Colombinas, arlequins e pierrôs pareciam ter expulsado da festa os antigos mascarados, diabinhos, dominós, caveiras e zé-pereiras (grupo de foliões tocando bumbos e outros instrumentos), que saíam às ruas nos dias de Entrudo. Tudo indicava que, finalmente, a civilização desejada pelas elites havia aportado no Brasil acompanhando as bugigangas, adereços e alegorias importadas da Europa. A impressão causada pehistoria.
Entrudo, o antigo carnaval de rua. 228 Uma história do negro no Brasil los desfiles das sociedades carnavalescas era fartamente comemorada pela imprensa. O colorido e o brilho das alegorias e fantasias encantavam tanto aos que assistiam os desfiles do alto das sacadas e janelas, quanto aos que se espremiam nas ruas. Intelectuais e jornalistas esperavam que, mais do que se deslumbrar, todos, negros e brancos, aprendessem a forma civilizada de se divertir. Bem sabemos que o Carnaval brasileiro não se tornou a cópia da sua matriz européia. De fato a influência européia estava longe de ser suficiente para suprimir expressões das tradições negras que o Carnaval trazia a público. Mesmo no Rio de Janeiro, onde a vigilância e a repressão eram mais ostensivas, os ranchos, que surgiram nos fins do século XIX, e os cordões, que há muito comandavam a farra, garantiam o grande público. Rancho é como se denominavam os grupos de festeiros que, reeditando um costume português, se apresentavam durante as celebrações católicas, especialmente o Natal e a festa de Reis. Eles representavam os pastores em viagem a Belém para visitar o menino Jesus. Eram grupos que iam de casa em casa cantando e cumprimentando os moradores. No Nordeste e no Pará os ranchos também são chamados de reisados e, os que mais se destacam, ostentam uma variedade de vestimentas e adornos luxuosos. Na Bahia do século XIX, a cada rancho correspondia um símbolo, porta-bandeira e mestresala que nas suas coreografias interpretavam a seu modo os passos das danças dos salões das elites. Os primeiros ranchos carnavalescos cariocas surgiram, no começo do século XX, na região do porto, lugar repleto de maltas de capoeira, candomblés e cortiços onde, como já vimos no capítulo anterior, habitava boa parte da população negra migrante do Nordeste. Era a chamada Pequena África. Na vizinhança do famoso candomblé de João Alabá e do cortiço Cabeça de Porco funcionavam as sedes de vários cordões carnavalescos, a exemplo do Rompe e Rasga, Estrela da Aurora, Nação Angola e Rei de Ouro. O Rei de Ouro, fundado em 1894 por Hilário Jovino, foi o primeiro rancho carnavalesco da cidade do Rio de Janeiro. Hilário chegou à cidade em 1870 e tornou-se liderança na comunidade baiana no bairro da Saúde. Ele foi tenente da guarda nacional, ogã Uma história do negro no Brasil 229 (um cargo hierárquico importante) do terreiro de João Alabá e o carnavalesco responsável pela criação de vários ranchos. Como ele mesmo diria, o que lhe interessava era “fundar novidade”. Dentre essas muitas agremiações, uma merece atenção especial, o rancho Rosa Branca. As trajetórias do Rosa Branca e de sua organizadora, Tia Ciata, contam muito sobre o ambiente cultural negro da época. Ciata, como ficou conhecida Hilária Batista de Almeida, chegou da Bahia em 1876, aos 22 anos. No Rio de Janeiro foi recebida na casa de Miguel Pequeno e Amélia Kitundi, onde também era hóspede Hilário Jovino. Ciata tornou-se uma liderança na comunidade negra da Pequena África, muito contribuiu para a coesão do grupo e para o trânsito de pessoas e costumes entre a Bahia e o Rio de Janeiro. O respeito e carinho por ela eram ritualizados, anualmente, na reverência que os demais ranchos lhe faziam antes de saírem à rua. Era uma mistura de benção e homenagem. Ciata era doceira e trabalhava vendendo nas ruas vestida de “baiana”, ou seja, usando saia rodada, pano da costa, turbante, pulseira e os fios de contas próprios dos seus orixás no candomblé. Essas roupas, costuradas e bordadas na casa dela, também eram desfiladas no Rosa Branca. Os trajes de “baiana” produzidos na Pequena África faziam tanto sucesso que começaram a ser alugados para fora da comunidade. Outras sociedades carnavalescas começaram a ostentá-los nos desfiles de Momo. Curiosamente, o mesmo Carnaval que tentava excluir as expressões da cultura negra, agora não só as incluía como proporcionava alguma renda àquela população com poucas oportunidades no mercado de trabalho. Um dos maiores méritos de Tia Ciata foi saber cultivar boas relações com gente de prestígio e dinheiro. Graças a esse talento diplomático e sua habilidade no manejo de ervas medicinais, o marido dela conseguiu empregar-se no gabinete do chefe de polícia. Para tanto ela teve como intermediário o presidente Venceslau Brás, que assim a recompensou pela cura de uma ferida na perna que os médicos diziam não ter mais meios para tratar. A proteção e ajuda de pessoas influentes na sociedade faziam parte das estratégias dos adeptos do candomblé para se livrarem da polícia, garantirem
negros através de empregos e cargos públicos. Foi essa comunidade negra, formada por gente como Hilário Jovino e Tia Ciata, que promoveu a incorporação dos ranchos às festas carnavalescas no Rio de Janeiro. A empolgação pelo Carnaval de formato europeu também contagiou as elites de outras partes do país. Mas nem por isso a festa de Momo teve a mesma forma nacionalmente. No Rio Grande do Sul, a criação das sociedades carnavalescas Esmeralda e Venezianos, nas décadas de 1870 e 1880, foi duplamente celebrada: primeiro porque decretava o fim do Entrudo, e segundo porque significava uma mudança nos costumes capaz de colocar Porto Alegre no mesmo patamar de “desenvolvimento civilizatório” que o Rio de Janeiro. No entanto, essas agremiações carnavalescas não eliminaram as práticas do Entrudo. Até as duas primeiras décadas do século XX o Carnaval e o jogo das molhadelas ainda fariam o entusiasmo dos gaúchos. Entre 1880 e 1900, nos salões dos principais teatros de Recife, também surgiram as primeiras agremiações carnavalescas pernambucanas com suas marchas e polcas (um ritmo musical de origem polaca). Ainda assim o Carnaval não extinguiu o grupo de maracatu Cabinda Velha, que desfilava na capital pernambucana, com seu estandarte bordado a ouro e uma pequena orquestra de tambores, chocalhos e ganzás. Para acompanhá-los, uma mulher negra chamada de Dama do Passo rodopiava na mão a calunga, uma boneca de pano, madeira ou metal. Esse ritual dizia mais sobre os congados dos negros do que sobre arlequins e pierrôs, símbolos do Carnaval europeu. Os maracatus tradicionais de Recife, a exemplo de Porto Rico, Elefante, Leão Coroado e Cabinda Velha eram, e ainda são chamados de “nações africanas”, numa explícita referência às origens nas tradições trazidas ou inventadas pelos africanos. Desde meados do século XIX que essas nações de Maracatu fazem parte das festividades urbanas e rurais, apesar das críticas das autoridades administrativas e religiosas. O Leão Coroado, um dos mais antigos, foi fundado em 1863 e ainda hoje sai às ruas. O surgimento desses maracutus está relacionado com a coroação do Rei Congo, uma prática cultural que data do século XVIII e era promovida Uma história do negro no Brasil 231 Presença negra no carnaval carioca, 1868. 232 Uma história do negro no Brasil nas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário em cidades mineiras, baianas, pernambucanas, gaúchas e cearenses, dentre outras. Trata-se de uma versão do cortejo com músicos e dançarinos que seguia os reis Congos durante as festas do Rosário. Já em Salvador as grandes atrações do Carnaval das últimas décadas do século XIX foram os clubes negros, especialmente os Pândegos da África e a Embaixada Africana. Os desfiles desses clubes, embora seguissem o modelo das grandes sociedades carnavalescas — com carros alegóricos, fantasias e adereços —, em muito lhes eram distintos. Na interpretação dos jornalistas os Pândegos da África promoviam nas ruas um verdadeiro candomblé. Tematizando a África, o clube desfilava com carros alegóricos que conduziam foliões vestidos de reis, ministros e feiticeiros africanos. A multidão negra tomava as ruas, cantando canções em língua iorubá ao som de atabaques, os mesmos tambores usados nos cultos afro-brasileiros. Manoel Querino, professor, escritor e abolicionista negro, foi membro da sua diretoria em 1900. Para ele, o desfile desse clube era a reprodução de festejos que ainda aconteciam na África. Não nos cabe aqui avaliar a veracidade da informação desse folião tão ilustre, mais importante é assinalar a predisposição do clube em reafirmar os vínculos culturais entre a Bahia e a África, apesar da divulgação das teorias racistas que colocavam o continente africano como o último na escala da evolução. Já a Embaixada Africana foi fundada por Marcos Carpinteiro, um axogun (o encarregado de executar o sacrifício ritual dos animais no candomblé). Nos anos em que mais se destacou, o grupo usou como tema episódios da história dos negros, como a revolta dos malês. Essa criatividade da população negra irritava as autoridades que, exaustivamente, proibiam as “africanizações”, as apresentações de “usos e costumes da Costa da África”, mas que viam, ano após ano, o Carnaval sendo recriado a partir de referências ao continente negro. Na Bahia, as batucadas e os cordões deixavam em alvoroço a negra multidão carnavalesca, ao se apresentar entre os desfiles das grandes sociedades organizadas pelas elites brancas. Os batuqueiros formavam pequenos grupos de quinze a vinte pessohistoria. Uma história do negro no Brasil 233 Congado, meados do século XIX, encenado por escravos da mina de ouro de São João del Rei, Minas Gerais. A coroação dos reis congos é uma celebração negra que ainda acontece em vários lugares do país. Em Minas Gerais, a comunidade dos Arturos promove a coroação dos reis congos durante a festa de Nossa Senhora do Rosário todo ano, no mês de outubro. A comunidade dos Arturos tem cerca de trezentas pessoas e está localizada a 2,5 km da cidade de Contagem, Minas Gerais, numa propriedade herdada de Artur Camilo Silvério (daí o nome Arturos), um liberto. 234 Uma história do negro no Brasil as, seguindo os músicos com seus tambores e cuícas. Os blocos ou cordões reuniam até cem pessoas que, cercadas por uma corda — daí o termo “cordão” — dançavam e cantavam músicas aprendidas nos terreiros de candomblé. Da banda constavam instrumentos de sopro e percussão; nos estandartes eram exibidas mensagens como Outum Obá da África e Ideal Africano. Do mesmo modo, os cordões cariocas tinham uma óbvia referência africana, chegando a se intitularem de Benguelas, Munhambane e Cabundas, por exemplo. Além disso, os cordões eram implacáveis na crítica social. Era comum ver seus foliões usando paletós às avessas e perucas cacheadas, enquanto riam dos hábitos e trejeitos das elites. Tudo isso ao som dos mesmos tambores que davam o ritmo aos rituais do candomblé àquela altura, condenados em todo canto do país. Os estivadores ligados ao Sindicato da Resistência dos Trabalhadores em Trapiche de Café no Rio de Janeiro, também chamado de Companhia de Pretos, se divertiam durante o carnaval no Rancho das Flores. Aos olhos da polícia os estivadores não eram exemplo de civilização. Volta e meia estavam envolvidos em conflitos, rodas de capoeira e freqüentemente acusados de cometerem desordens. Contudo, não era pouco o sucesso do seu rancho. E não era apenas no Rio de Janeiro que a atuação dessas associações de classe extrapolava as lutas especificamente trabalhistas e político-partidárias. No Rio Grande do Sul, grupos como o Recreio Operário, criado em 1885 — e que ainda saía às ruas na década de 1930 — não só agregava e divertia os foliões durante o Carnaval. Eles também promoviam atos políticos e manifestações a favor de causas negras e operárias. A existência do Rancho das Flores no Rio de Janeiro e do Recreio Operário em Pelotas demonstrava que o Carnaval proporcionava a comunhão entre interesses de classe e identidade racial, ou seja, aquelas pessoas se reconheciam a partir das dificuldades que enfrentavam como operários negros. Ranchos, cordões e blocos tinham raízes firmes nos terreiros de Candomblé. Pode-se dizer que, em diferentes lugares do país, as religiões afro-brasileiras foram espaço de preservação de heranças africanas e, sobretudo, de criação de uma cultura negra. O curioso nisso tudo é que, enquanto políticos, jornalistas e intelectuais Uma história do negro no Brasil 235 imaginavam que o modelo do Carnaval europeu estava contribuindo para o que chamavam de “civilização dos negros brasileiros”, estes criativamente “africanizavam” a festa. Mas, sem dúvida, a alegria da imprensa era despertada pelos grupos carnavalescos que se esforçavam para deixar de lado os tais “africanismos”. Quando, em 1907, surgiu no Rio de Janeiro o Ameno Resedá, o que se viu nas ruas foram instrumentos harmônicos de corda e sopro, nenhum tambor. E o que se ouviu foi o choro, uma música que não tinha referência nos candomblés e sim nas gafieiras, bailes onde não faltavam negros, mas inexistiam atabaques. O rancho Ameno Resedá teve origem no Catete, bairro afastado da Pequena África, e reunia operários do Arsenal da Marinha, funcionários públicos, comerciários e músicos. A participação do Ameno Resedá no Carnaval trouxe alívio para quem tinha a esperança de ver extinto tudo que lembrava a África. Aceitou- se tão bem aquele rancho ameno que o presidente Hermes da Fonseca o recebeu nos jardins do palácio do Catete, para uma exibição em 1911. Por ironia, o choro também trazia fortes elementos da musicalidade negra. Por tudo isso, os ranchos marcaram uma nova fase no Carnaval carioca e demonstram como se deram as negociações culturais e políticas entre os negros e as autoridades. Contudo, não se pode pensar que essa estratégia os eximia da vigilância e perseguição da polícia, que não via com bons olhos a associação entre essas pequenas agremiações carnavalescas, grupos de capoeira, estivadores e terreiros de candomblé. Vale repetir: uma gente que costumava constar nas crônicas dos jornalistas afrontando a polícia e promovendo conflitos, especialmente durante o Carnaval. Não foi por outra razão que se tornou obrigatória para ranchos e cordões a licença que os autorizava a sair durante o Carnaval em várias cidades do país. Para por o bloco na rua era necessária licença registrada na polícia, informando-se endereço da sede, presidente, estandarte e lista dos integrantes. A polícia tinha poder, inclusive, para vedar o registro de determinados nomes dados aos cordões. Em 1908, no Rio de Janeiro, o clube Cachinhos de Ouro, por exemplo, foi proibido de desfilar, provavelmente porque a autoridade policial jul- Alfredo da Rocha Viana Júnior, o Pixinguinha, foi um dos grandes nomes do choro e valsa na cena musical da sua época. Esse carioca começou a carreira de músico aos quinze anos, tocando em festas familiares que reuniam chorões e sambistas.Na década de 1920 ele passou a fazer parte do conjunto Os Oito Batutas e a tocar em grandes festas e salões fora das favelas. Segundo o próprio Pixinguinha ele foi um dos primeiros negros a tocar na rádio Sociedade, em 1924. Até então aos músicos negros não era permitido sequer tocar nas orquestras que entretiam o público nas ante-salas dos cinemas elegantes. 236 Uma história do negro no Brasil gou ofensivo que aquele grupo de negros fizesse uma alusão tão maliciosa à questão racial. As fantasias de índio também eram proibidas. A ridícula alegação era que, sob tangas e cocares, se escondiam navalhas e punhais. A implicância policial com esse tipo de indumentária chegou a tal ponto que os foliões mais afoitos cantavam nas ruas a seguinte quadrinha: eu vou beber, eu vou me embriagar, eu vou sair de índio pra polícia me pegar. Mas se a repressão se intensificava, sustentada em circulares e portarias policiais, não faltavam aos foliões meios para driblá-la. Valia tomar de empréstimo licenças concedidas a outros grupos, tentar passar despercebido pelos rigores da lei se intitulando sociedades dançantes familiares. No mais, a interdição policial nunca foi eficaz a ponto de aniquilar certos aspectos da cultura negra. O bumbo, por exemplo, foi um instrumento proibido durante o Carnaval em várias cidades brasileiras na década de 1920. O que não significa que os instrumentos percurssivos tivessem todos sido retirados da festa. Criar formas de subverter, de encontrar alternativas às determinações nascidas do racismo das autoridades foi, como continua a ser, o exercício rotineiro da população negra. O exemplo mais explícito desse jogo de concessão e subversão era o “bloco do sujo”, ou seja, as pessoas que saíam vestidas com fantasias velhas e máscaras como se estivessem prontas para brincar o velho Entrudo. Vários ranchos cariocas tinham os seus “sujos”, que se vestiam sem qualquer luxo, brilho ou alegorias. O “sujo” de Tia Ciata era conhecido como “o macaco é outro”. Esse era o refrão que os participantes gritavam depois de colocar a mão nas máscaras, gozando da própria cor, e dizer baixinho “nós somos gente”, para em seguida gritar bem alto: “o macaco é o outro”. Talvez a ironia da brincadeira não fosse notada pela polícia, mas para os foliões era claro que o Carnaval inspirado na Europa não excluía a bem humorada crítica social. E foi com esse sentido subversivo que os sambas promovidos pela comunidade negra ficaram famosos. Na São Paulo das décadas de 1910 e 1920 era no bairro da Barra Funda, zona oeste Uma história do negro no Brasil 237 da cidade, que se reuniam os principais compositores e intérpretes do samba paulista. A Barra Funda estava longe de ser um território exclusivamente negro; ali conviviam imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, brancos paulistanos e migrantes negros, muitos deles vindos de outros estados. Nos grandes armazéns da região os trabalhadores negros se ocupavam com o transporte e a estocagem de café. Esses mesmos trabalhadores também estavam entre os sambistas que fundaram, em 1914, o grupo Barra Funda, o primeiro cordão carnavalesco do bairro, que depois viria a ser a Escola de Samba Camisa Verde e Branca. Se a partir da década de 1930 esse samba paulista também foi bem acolhido pela cultura nacional, até então os bambas da Barra Funda tiveram que sambar em porões e barracões fechados, longe dos olhos e ouvidos da polícia. Como dizia uma quadrinha da época: Na Barra Funda meu bem zona que dá o que falar aqui a polícia não vem não tem encrenca, nós vamos sambar. Na Barra Funda havia clubes de futebol negros, como o São Geraldo e a seleção Pacaembu. Essa seleção disputou nos anos 20 contra clubes cariocas. Até a década de 1930, jogadores negros não eram admitidos nos times de primeira divisão do campeonato paulista. No entanto havia campeonatos de clubes negros concorridos que aconteciam nos campos de várzea do Bom Retiro. O futebol era então um fator de coesão da comunidade negra. Foi a partir de um time de futebol que se organizou o bloco carnavalesco Vai Vai, em 1930. Mas foi com nomes do samba carioca como Sinhô, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres que o samba conquistou o lugar de principal símbolo nacional. Esses sambistas eram cada vez mais referidos e respeitados inclusive pela mídia da época, ainda que ironizassem acontecimentos e personalidades políticas. Em 1916, Ernesto dos Santos, o Donga, registrou a música Pelo telefone, uma paródia sobre o envolvimento da polícia com jogos proibidos. Pelo telefone foi o maior sucesso do Carnaval de 1917 e foi executado em diversas rádios da cidade. Pela primeira vez a 238 Uma história do negro no Brasil indústria cultural da época se abriu à produção dos negros cariocas. Esse feito contribuiu para o fortalecimento das escolas de samba e de grupos teatrais negros na década de 1930. Até então poucos atores negros atuavam nos grandes palcos da cidade. No teatro de revista, um dos principais espaços de difusão cultural da época, era comum que atores brancos se caricaturassem para interpretar personagens negros. No entanto, em 1926 surgiu a Companhia Negra de Revista formada exclusivamente por negros. A peça de estréia tinha um nome sugestivo: Tudo Preto. Esse grupo tinha dois propósitos: por um lado valorizar a cultura negra; e por outro exaltar a integração dos negros na sociedade moderna e civilizada. A boa convivência entre as raças e a exaltação da nação estavam em pauta e os negros estavam cientes disso. No Rio de Janeiro, por volta de 1928, surgiram as primeiras organizações de sambistas no Estácio, nos morros da favela, no centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba, no início, eram agremiações com fins festivos e assistenciais e aos poucos conquistaram espaço na indústria do entretenimento celebrando temas nacionais. À estrutura dramática dos enredos, personagens, estandarte e alas, já definidas pelos ranchos, foi acrescida a novidade rítmica do samba, das coreografias e da exaltação à nação brasileira. A beleza e o exotismo nacional passaram a fazer parte do repertório dos sambistas. Do Estácio de Sá, bairro situado entre os rios Comprido e o Catumbi, as agremiações carnavalescas ganharam o morro de São Carlos, as encostas da Saúde, Salgueiro, Mangueira. Ao mesmo tempo, as escolas de samba foram oficializadas como principais atrações do carnaval carioca. A partir de 1932 coube a cada agremiação a escolha de tema e o enredo, para que pudessem concorrer às subvenções e prêmios pagos pela prefeitura. Àquela altura o Carnaval já era a grande festa nacional, a mais autêntica representação de brasilidade, sem que isto significasse a inclusão da população negra na categoria de cidadãos. O interesse de intelectuais da época em identificar o que seria uma identidade brasileira muito contribuiu para a legitimação do caráter nacional da cultura de origem africana. Dois anos dehistoria. Uma história do negro no Brasil 239 pois da oficialização do Carnaval organizado em torno das escolas de sambas no Rio de Janeiro, aconteceu em Recife o primeiro congresso afro-brasileiro. Por iniciativa de Gilberto Freyre, se reuniram na capital pernambucana alguns dos mais importantes pesquisadores brasileiros e estrangeiros. O que os interessava era a questão negra no Brasil. O encontro tinha o duplo objetivo de analisar cientificamente os problemas relativos aos negros e propor políticas públicas para resolvê-los. Escravidão, quilombos, variações lingüísticas, religião e aspectos psíquicos dos negros foram os temas das discussões. O tom mais militante e menos acadêmico do congresso ficou por conta do discurso do representante da Frente Negra Pelotense para que, no encerramento do evento, ressaltou a necessidade de organização da “gente negra e da reverência aos antepassados”. Entretanto, o maior saldo daquele evento foi a certeza de que a questão negra era um campo de pesquisa fértil e ainda pouco explorado no Brasil. O congresso conseguiu incentivar as pesquisas, principalmente sobre o que se denominava na época de “folclore negro”: as religiões afro-brasileiras e a capoeira.
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